03 Jul DECLARAÇÃO DE APOIO: CUIDAR SEM AMARRAS
DECLARAÇÃO DE APOIO: CUIDAR SEM AMARRAS
Uma Declaração pela Dignidade da Vida Humana
Em face do recente apelo à divulgação e assinatura, pela Senhora Enf. Carmen Garcia, de Petição relativa à “Proibição da prática de contenção física em idosos”, a Associação Stop Idadismo e as Obras Sociais de Viseu, manifestam e declaram publicamente o seu total apoio a esta iniciativa.
Entendemos, pois, que este é o momento de reanalisar a questão e de promover um debate sério, urgente e fundamentado, na Assembleia da República, sobre a necessidade de pôr termo a esta prática e de rever as consequências para quem faça uso da mesma fora dos casos excecionalíssimos em que tal ainda possa ter lugar, à luz do princípio da Dignidade da Pessoa Humana, da ponderação dos direitos e valores em causa e do princípio da proporcionalidade, e, bem assim, das mais recentes evidências médicas e científicas acerca dos riscos e malefícios desta prática e da existência de alternativas menos gravosas à sua utilização.
A discussão, aliás, deve, a nosso ver, considerar:
a) Que a liberdade e autonomia dos idosos, a sua integridade física e moral, são, como as de qualquer ser humano e cidadão, por princípio invioláveis, devendo, sempre e em qualquer contexto, ser salvaguardada a sua Dignidade enquanto pessoa – prevista na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Convenção Europeia dos Direitos Humanos e na Constituição da República Portuguesa – e não podendo ser os mesmos sujeitos a qualquer tratamento cruel, desumano ou degradante.
b) Que a proteção da saúde e da segurança, do próprio ou de terceiros, podem justificar a restrição de determinados direitos, mas sempre, e apenas, quando legalmente previsto, se se revelar necessário/exigível, adequado e na medida do que seja a mínima intervenção possível, sendo proibido qualquer excesso (nos termos do artigo 18.º da CRP);
C) Que, em Portugal, a contenção, seja física, mecânica ou farmacológica, não está especificamente prevista para ser utilizada em pessoas mais velhas – ou seja, a idade, só por si, não é um fator determinante para a utilização deste tipo de intervenção.
d) No nosso ordenamento jurídico, a prática da contenção está intrínseca e unicamente ligada a questões de saúde, e concretamente prevista em apenas dois diplomas legais: A Lei n.º 31/2018, de 18 de julho, que regula os direitos das pessoas em contexto de doença avançada e em fim de vida, e a Lei n.º 35/2023, de 21 de julho, vulgarmente conhecida como Lei da Saúde Mental;
e) Que, em qualquer dos casos hoje legalmente previstos, a contenção apenas pode resultar de prescrição médica, tem cariz absolutamente excecional (como medida de último recurso e do estritamente necessário), não prolongado (por períodos muito limitados), devendo ser imediata e obrigatoriamente inscrita no processo clínico a informação sobre a natureza das medidas coercivas utilizadas, os fundamentos da sua utilização e a duração das mesmas; a lei estabelece ainda que as medidas de contenção só podem ser aplicadas por quem esteja treinado para o efeito e implicam uma monitorização clínica contínua e com intervalos regulares, de modo a salvaguardar a segurança da pessoa.
f) Que, a acrescer a estes requisitos, devem ser salvaguardados, nos termos da lei, os direitos de informação e o consentimento da pessoa ou de quem a represente, caso a mesma não esteja em condições de as receber e de o prestar, sobre a sua situação, as alternativas possíveis de tratamento e a evolução provável da sua situação.
g) Que existe, a este respeito, a Orientação n.º 021/2011 da Direção Geral da Saúde (que alude aos direitos de informação, à tranquilização do doente, à informação da família, ao esgotamento prévio de todas as medidas preventivas, à necessidade de reavaliar e retirar logo que possível a contenção, e à necessária formação dos profissionais para o efeito, no máximo a cada 3 (três) anos.
h) Apesar do quadro legislativo acima mencionado, é publicamente reconhecido que a prática de contenção, física e farmacológica, em pessoas idosas, se encontra amplamente disseminada e é adotada, com cariz frequente, se não mesmo continuado, em instituições de saúde e em estruturas residenciais ou de acolhimento, com cariz de normalidade e associado, normalmente, à suposta prevenção de riscos de queda e à escassez de pessoal;
i) Que a contenção pode revestir diversos tipos, sendo de realçar, no contexto das pessoas mais velhas, hospitalizadas ou institucionalizadas, a prática comum de contenções de cariz mecânico, mas também de cariz químico ou farmacológico;
j)Que a prática da contenção, seja a mesma mecânica, seja farmacológica representa gravíssimos riscos para quem à mesma é sujeito e, atento o acima exposto, para quem da mesma faz uso fora das condições em que a lei – ainda – a admite, podendo ser considerada uma forma de violência, causadora de danos, e, como tal, configurar, mesmo no quadro legal atual, a prática de um crime (de maus tratos, de ofensas à integridade física, entre outros) e geradora da obrigação de indemnizar;
k) Que a contenção farmacológica merece atenção idêntica à dada à contenção mecânica, sendo sobejamente conhecidas as situações de sobremedicação injustificada (como seja a sedação frequente e não clinicamente prescrita de idosos), que já esteve na base de decisões condenatórias, por crime de maus-tratos, dos nossos tribunais.
l) Que razões de ordem logística, económica ou de falta de recursos humanos e materiais não tornam legítimo o recurso à contenção;
m) Que, noutros países, como sejam o Reino Unido e Espanha, o recurso a meios de contenção também é genericamente proibido, mas expressamente suscetível de ser criminalmente punido se praticado fora das circunstâncias legais excecionais em que ainda possa residualmente ter lugar (a título de exemplo, veja-se, em ESPANHA, a Instrucción 1/2022, de 19 de enero, de la Fiscalía General del Estado, sobre el uso de medios de contención mecánicos o farmacológicos en unidades psiquiátricas o de salud mental y centros residenciales y/o sociosanitarios de personas mayores y/o con discapacidad.
n) Que a evolução das técnicas, métodos terapêuticos e tecnologia associada à prestação de cuidados, nomeadamente a pessoas idosas hospitalizadas ou institucionalizadas, tem permitido demonstrar, com evidência cientifica e documentado, que existem atualmente alternativas eficazes à prática de contenções e com grande redução de riscos;
o) É necessário que resulte clara, e em forma de lei, a proibição do uso de formas de contenção física e farmacológica legalmente previstos, prevendo-se também expressamente as consequências jurídicas de tais práticas.
p) É necessário que, em todos os contextos profissionais que envolvam o acompanhamento e o cuidado de pessoas idosas, a formação dos profissionais em causa (e.g. médicos, enfermeiros, diretores técnicos e auxiliares de ERPI) contemple, obrigatoriamente, a divulgação e a aprendizagem de mecanismos alternativos ao uso das contenções, de modo a combater o profundo desconhecimento acerca do tema, no qual também radica a banalização destas práticas.
Em conclusão:
- Em face da evidência científica da existência de práticas alternativas, impõe-se nova reflexão que, ao concluir pela sua desnecessidade, desadequação, e existência de meios e métodos menos gravosos, deve determinar a proibição do uso e o abandono da prática da contenção, nomeadamente em pessoas idosas, seja mecânica, seja farmacológica, por não ser consentânea com o respeito pelo princípio da Dignidade da Pessoa humana.
- Demos início, em maio de 2024, com a organização da Conferência “Cuidar Sem Amarras: A Urgência de um Novo Modelo de Cuidados” ao Movimento #CuidarSemAmarras, numa sinergia entre as Obras Sociais de Viseu, a Associação Stop Idadismo e a Fundación Cuidados Dignos, instituição espanhola que dedica todo o seu trabalho à missão de reduzir/acabar com a utilização de contenções farmacológicas e não farmacológicas.
- Estamos empenhados em contribuir para a transformação da cultura do cuidado em Portugal, proporcionando às pessoas uma maior qualidade de vida e dignidade com a promoção e implementação do modelo centrado nas pessoas, promovendo no processo a alteração ao nível das Políticas públicas e ao nível da abordagem dos profissionais o que resultará num ambiente mais justo e humanizado para todos.
- Pode acompanhar o nosso trabalho através da página de Facebook “CUIDAR SEM AMARRAS” e dos sites: https://obrassociaisviseu.pt/ – https://capad.pt/ – https://stopidadismo.pt/
Almejamos um futuro onde todas as famílias e instituições que prestam cuidados sociais e de saúde não utilizem contenções mecânicas ou farmacológicas, colocando o foco na Dignidade, nos direitos, necessidades, autonomia, segurança e qualidade de vida das pessoas.
NOTA: esta declaração de apoio foi redigida com a colaboração da JPAB – José Pedro Aguiar-Branco Advogados, entidade parceira e associada da Associação STOP Idadismo.
OBRAS SOCIAIS VISEU
ASSOCIAÇÃO STOP IDADISMO
#CuidarSemAmarras
OBRAS SOCIAIS VISEU – Instituição Particular de Solidariedade Social cuja missão diária visa contribuir para a longevidade feliz das pessoas, ao longo do seu percurso de vida, promovendo, na comunidade em que nos inserirmos, a saúde, a segurança, a participação e a aprendizagem, potenciando a autonomia, a não discriminação e a inclusão. É incubadora de respostas sociais como: o Serviço de Atendimento e Acompanhamento Social, o Centro de Apoio a Pessoas com Alzheimer e outras Demências, a medida Acolhimento Familiar e ainda da valência Creche e Ensino Pré-Escolar. Durante os últimos anos tem sido a Instituição responsável pela dinamização dos Contratos Locais de Desenvolvimento Social. Entidade Formadora Certificada pela DGERT desde 2016, pretende assumir-me nesta área como uma entidade formadora de referência na aquisição/reciclagem e/ou valorização de competências profissionais, na área do cuidado. Enquanto Instituição ao serviço da comunidade tem vindo a construir um caminho sólido e hoje, assume-se como um parceiro de referência na intervenção social e comunitária. https://obrassociaisviseu.pt/ | https://capad.pt/
ASSOCIAÇÃO STOP IDADISMO – Associação criada por um grupo de pessoas que luta pelos direitos das pessoas em todas as idades. Determinados e com vontade de ser e fazer diferente para gerar mudança e criar uma sociedade amiga de todas as idades. Com o propósito de produzir e difundir informações, reflexões, dados atualizados e outros elementos que contribuam para ações organizadas de combate ao idadismo. Organizada em três grandes pilares: Informação e Documentação, onde facilitamos o acesso à informação e contribuir para a construção de uma opinião pública favorável para com os fenómenos da discriminação em função da idade, bem como sensibilizá-la para estes problemas; Sensibilização e Formação e Consultoria Especializada, prestamos aconselhamento por meio de uma análise minuciosa de todos os processos levados a cabo pelas instituições. A consultoria especializada elabora processos e planos de ação permitindo alcançar melhorias e otimizar recursos humanos. Somos uma associação que integra o movimento global #AWorld4AllAges, cujo objetivo principal é combater o idadismo, a terceira forma de discriminação que mais afeta as pessoas depois do racismo e do sexismo. https://stopidadismo.pt/sobre/
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