CORONAVÍRUS E DESIGUALDADE SOCIAL

CORONAVÍRUS E DESIGUALDADE SOCIAL

À crise sanitária seguem-se, inevitavelmente, a económica e a social. O Parlamento Europeu levou a cabo uma iniciativa inédita, colocou à disposição, em Bruxelas e em Strasbourg, a sua cantina para prepararem e distribuírem 1000 refeições por dia a pessoas em dificuldades.

Federação Europeia de Bancos Alimentares (FEBA); o Feeding America (FA) e o The Global FoodBanking Network (GFN) uniram-se numa “luta massiva” para apoiarem com alimentos um número que cresce incessantemente, todos os dias, de pessoas e famílias.

A crise social está à nossa frente e não afeta, como se anunciou, numa fase inicial, a todas as pessoas por igual. Há evidências científicas que contrariam, clara e objetivamente, esta ideia. Poder-se-á, de algum modo, dizer que o coronavírus “sabe de classes sociais e de bairros” (Mariana Lazo, Usama Bilial e Manuel Franco, médicos e investigadores em saúde urbana e desigualdades sociais).

Estão à nossa frente novos pobres, pessoas que perderam o seu emprego ou a atividade precária a que se dedicavam, sendo-lhes subtraídos todos os rendimentos, ficando impossibilitados de comprar a alimentação para si e para as suas famílias.

Mesmo em países desenvolvidos, como o Japão, a questão da pobreza, uma realidade, durante muito tempo, invisível ou, como nos dizem Philippe Mesmer e Philippe Pons (Le Monde, 14 de maio de 2020) “pudicamente ocultada”, veio à tona com o impacto da pandemia. Os correspondentes em Tokyo dão nota de muitos jovens desempregados que vivem em cibercafés e se dedicam a extorquir dinheiro, por telefone, às vítimas preferenciais, as pessoas idosas mais vulneráveis.

A desigualdade social é uma epidemia que alastra e parece ser inexorável e inextinguível. O novo coronavírus segue um claro gradiente social cujos fatores determinantes são o tipo de trabalho a que cada pessoa se dedica, a tipologia e a qualidade habitacional e o estado basal de saúde da população. A pobreza é um fator de risco decisivo na pandemia. A segregação social e espacial, mais intensa nos meios urbanos e suburbanos, determina as crescentes desigualdades em saúde. A pandemia acentua as desigualdades e coloca muitos cidadãos em profundas dificuldades. Os extremos afastam-se cada vez mais, socavando o fosso entre riscos e pobres, gerando desequilíbrios que fazem perigar a sociedade como um todo. Se uma pessoa tem um trabalho que não lhe permita ficar em casa, mais comum nos empregos precários, aumenta a probabilidade de contágio, tanto no trabalho, como na maior possibilidade de ter que recorrer aos transportes públicos.

Nick Stripe – Instituto Nacional de Estatística do Reino Unido – afirmou: “As taxas de mortalidade, em regra, são mais altas em zonas mais desfavorecidas, mas até agora a covid-19 parece estar a levá-las a um nível ainda mais elevado”. Segundo o estudo Infectious Diseases (2020), publicado na The Lancet, “No Reino Unido, as pessoas de zonas desfavorecidas têm até quatro vezes mais probabilidades de dar positivo. (…) a adesão ao teletrabalho é mais difícil, em caso de contágio não conseguem isolar-se em casa, onde podem viver várias famílias, com uma só casa de banho…)” 

Também em Nova Iorque, a taxa de contágios mais do que duplica no Bronx – o distrito com a maior proporção de minorias raciais, pessoas pobres e níveis educativos mais baixos. – em relação a Manhattan.

Gina Neff, socióloga da Universidade de Oxford, defende que “Não se pode vencer este vírus sem cuidar das pessoas mais vulneráveis da sociedade.”

A presidente do Banco Alimentar Contra a Fome, Isabel Jonet, descreve à Renascença o aumento de pedidos de ajuda de forma contundente:  “Nunca vi nada assim.”

Não podemos permitir que a propalada “nova normalidade” escancare as portas à desigualdade social, lhe estenda um tapete vermelho e a eternize.

“É preciso que o mundo inteiro leve um abanão” (Éric Vuillard, In A Guerra dos Pobres, 2020). 

 

Por José Carreira



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